quinta-feira, 24 de setembro de 2015



Whiplash

Débora Agel Mellem

            Seria uma insensatez criar um filme que apresenta uma relação professor-aluno, repleta de rigidez e narcisismo, inserida num contexto musical e ainda banhada a jazz, que prima pelo improviso? Ou seria um paradoxo a combinação entre a violência da super exigência e a liberdade expressa no jazz?

            Infelizmente este filme tem um caráter autobiográfico, o diretor Damien Chazelle  era baterista e vivenciou uma relação traumática com um professor mega exigente. No filme Andrew Neiman (Miles Teller), um jovem baterista de jazz depara-se com o professor Terence Fletcher (J.K. Simmons), que exige desempenhos perfeitos de seus alunos. O andamento da música deve ser exato e qualquer desafinação é inadmissível. Usa métodos violentos, acreditando que deste modo formaria um músico genial como Charlie Parker. Que equívoco! Nenhum ser humano desenvolve-se num atmosfera de cobrança humilhante. Mas Andrew submetia-se a maltrato, para ser o escolhido de Fletcher. Era escravo da necessidade de ser aceito e também de seus próprios ideais. Tinha ódio de ser simplesmente humano, faltava-lhe confiança e uma agressividade protetora. Com uma história sofrida de abandono materno, contava com seu pai, cuja relação amorosa amplia-se no decorrer do filme, dando-lhe sustentação para transformar suas atitudes frente à vida.

            A sua criatividade lhe salvou! E o impulso em direção ao crescimento predominou, "deu o sangue" para se expandir. Sua relação com a música, o jazz, a bateria era vital e visceral. Este seu interesse não existia por acaso. O jazz nasceu do canto de dor dos escravos que vieram para a América do Norte. E  entrelaçou-se com o blues, um lamento e um anseio de libertação dos negros, que expressavam-se através das blue notes, do swing e da improvisação. Surge como uma dança, incluindo também a alegria.
            Permitindo-me sonhar, o jazz pode ser uma expressão criativa da vivência de falta, que habita em todos nós. Podemos pensar na improvisação que ocorre na vida e também no setting de uma sessão de análise. E refletir sobre a base emocional que precisamos construir, para alcançarmos um viver criativo.
            Andrew segue um caminho doloroso até ser capaz de improvisar no palco e na vida. Ouviu o ritmo das batidas de seu coração e se apropriou de quem ele era. O final do filme é surpreendente e o som que ele faz é maravilhoso! Ele se entrega no presente, está vivo, existe, é um baterista talentoso!

            Whip é chicote, whiplash é algo que se assemelha ao ruído de uma chicotada. Criar na música e na vida é transformar uma chicotada em som. 

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